P.: Como acha que o jornal influenciou a vida quotidiana dos cidadãos?
R.: Desde os séculos XVII e XVIII que as publicações periódicas (os jornais, se quiseres) têm imensa importância. Serviram, no início, para transmitir sobretudo informações sobre a vida e ocupações das pessoas com mais influência na sociedade e sobre algumas actividades económicas e financeiras. E se vires bem, continuam a ter esse papel: as pessoas e as actividades com mais notoriedade e importância aparecem muitas vezes referidas na imprensa. Mas não se tratava, já na altura dos primeiros jornais, de apenas fazer propaganda ou publicidade. Os jornais sempre foram importantes porque permitem expor o que as pessoas fazem, contar aos cidadãos o que se passa, ajudá-los a formar uma opinião sobre tudo aquilo que pode interessar-lhes e afectar a sua vida. Um filósofo chamado Jürgen Habermas, que talvez venhas a conhecer quando frequentares o 10º ano, explicou muito bem como se formou o que ele chama uma ‘esfera pública política’, através dos jornais, da imprensa. Ele acha que os jornais, ao tornarem públicas as opiniões e actividades de políticos e de empresários, de filósofos e de escritores, ao relatarem os factos mais importantes do dia-a-dia, ajudaram a formar uma ‘opinião pública’. Ora, esta ‘opinião pública’ é uma espécie de juiz colectivo que aprecia as acções dos governos e o comportamento daqueles que têm alguma importância e notoriedade, como disse atrás. Isto quer dizer que a imprensa tem, na sua origem, um papel crítico muito importante.
Mas, hoje em dia, os media (jornais, rádio, televisão, internet, …) têm uma enorme importância também como instrumentos de controlo do gosto e da opinião das pessoas. Uma imprensa forte e livre ajuda a preservar a liberdade dos indivíduos e dos povos. Porém, ela é também, muitas vezes, apenas um meio de propaganda, de manipulação e de divulgação de conteúdos sem qualquer interesse. E um público educado tem de ser, no século XXI, aquele que está também preparado para resistir à manipulação através dos novos ‘brinquedos tecnológicos’.
P.: Como tem experiência jornalística, pergunto-lhe: quais os jornais que causaram mais polémica em Portugal?
R.: Não sei o suficiente para te dar uma resposta muito completa. Mas lembro-me do tempo em que, era eu pequeno, o meu pai lia o Século e o meu avô o Diário de Notícias. Isto passa-se nos anos 50 e 60 do séc. XX, antes da ‘Revolução dos Cravos’ (25 de Abril de 1974). Mas, então, por que razão é que eles não liam o mesmo jornal? Uma razão que eu conhecia era esta: embora houvesse censura, os jornais não eram todos iguais e o Director do Diário de Notícias, Augusto de Castro, concordava com o Presidente do Conselho, o Prof. Oliveira Salazar. Quando já era adolescente, passámos a comprar o Diário de Lisboa, que ficou a ser o ‘meu’ jornal até 1974, e para além dessa data. O que quero dizer com isto é que os jornais têm maneiras diferentes de nos pôr em contacto com o mundo e que isso é bom e importante para a nossa formação. E não penses que em casa do meu avô eu não lia o Diário de Notícias. Claro que lia.
Mas perguntas pelos jornais que causaram polémica. Pensando apenas nos últimos 30 ou 40 anos, dou-te três exemplos. Em 1975, Portugal estava muito dividido. A maioria das pessoas tinha vivido com grande alegria o 25 de Abril, mas uma parte queria avançar mais depressa para o que se chamava, na altura, uma sociedade socialista. Então, um jornal chamado República, que era dirigido por socialistas, foi ocupado por uma parte dos trabalhadores, que passaram a ‘chefiá--lo’. O partido socialista acusou o partido comunista de querer acabar com a liberdade de imprensa, o partido comunista disse que não era nada com ele, nasceram outros jornais como resposta ao que se estava a passar (A Luta e, mais tarde, o Portugal Hoje, que pertenciam ao PS), e por toda a Europa se discutiu a questão da liberdade de imprensa em Portugal. Este exemplo serve para te mostrar como a liberdade política está ligada à liberdade de imprensa.
Outro exemplo, este mais simpático. Um jovem chamado Vicente Jorge Silva criou, na Madeira, em finais dos anos 60 do século XX, o semanário Comércio do Funchal. Era um jornal político, de oposição, impresso em papel cor-de-rosa, muito vigiado pela censura. Cerca de 20 anos mais tarde, o mesmo jornalista tornou-se o primeiro director de um diário muito importante, o Público, que fez 20 anos há poucos dias, e foi, durante muitos anos, talvez o diário português mais influente na opinião pública. Neste caso, o que o Público trouxe aos leitores foi, numa sociedade livre, semelhante ao que o Comércio do Funchal nos dera no tempo em que eu era adolescente: uma forma diferente e original de olhar para o que se passa no mundo.
Último exemplo. Deves ter ouvido dizer que se discute muito se o semanário Sol devia ou não publicar umas escutas telefónicas que estão guardadas nos tribunais. Esta polémica é muito interessante porque diz respeito a questões como a separação entre o que é público e o que é privado (até que ponto me pertencem as minhas conversas com outras pessoas?), à liberdade de publicar o que se conhece (pode o jornalista publicar tudo o que lhe chega às mãos?), à responsabilidade dos políticos (o que eles dizem em privado sobre o que pensam fazer com o poder que lhes foi dado pelo povo, pertence-lhes ou não?) ou ao compromisso da imprensa com a verdade (tudo o que os jornais publicam é fiel à realidade?).
P.: Como é que, em épocas antigas, os povos passavam as notícias uns aos outros, de povoação em povoação.
Mas perguntas pelos jornais que causaram polémica. Pensando apenas nos últimos 30 ou 40 anos, dou-te três exemplos. Em 1975, Portugal estava muito dividido. A maioria das pessoas tinha vivido com grande alegria o 25 de Abril, mas uma parte queria avançar mais depressa para o que se chamava, na altura, uma sociedade socialista. Então, um jornal chamado República, que era dirigido por socialistas, foi ocupado por uma parte dos trabalhadores, que passaram a ‘chefiá--lo’. O partido socialista acusou o partido comunista de querer acabar com a liberdade de imprensa, o partido comunista disse que não era nada com ele, nasceram outros jornais como resposta ao que se estava a passar (A Luta e, mais tarde, o Portugal Hoje, que pertenciam ao PS), e por toda a Europa se discutiu a questão da liberdade de imprensa em Portugal. Este exemplo serve para te mostrar como a liberdade política está ligada à liberdade de imprensa.
Outro exemplo, este mais simpático. Um jovem chamado Vicente Jorge Silva criou, na Madeira, em finais dos anos 60 do século XX, o semanário Comércio do Funchal. Era um jornal político, de oposição, impresso em papel cor-de-rosa, muito vigiado pela censura. Cerca de 20 anos mais tarde, o mesmo jornalista tornou-se o primeiro director de um diário muito importante, o Público, que fez 20 anos há poucos dias, e foi, durante muitos anos, talvez o diário português mais influente na opinião pública. Neste caso, o que o Público trouxe aos leitores foi, numa sociedade livre, semelhante ao que o Comércio do Funchal nos dera no tempo em que eu era adolescente: uma forma diferente e original de olhar para o que se passa no mundo.
Último exemplo. Deves ter ouvido dizer que se discute muito se o semanário Sol devia ou não publicar umas escutas telefónicas que estão guardadas nos tribunais. Esta polémica é muito interessante porque diz respeito a questões como a separação entre o que é público e o que é privado (até que ponto me pertencem as minhas conversas com outras pessoas?), à liberdade de publicar o que se conhece (pode o jornalista publicar tudo o que lhe chega às mãos?), à responsabilidade dos políticos (o que eles dizem em privado sobre o que pensam fazer com o poder que lhes foi dado pelo povo, pertence-lhes ou não?) ou ao compromisso da imprensa com a verdade (tudo o que os jornais publicam é fiel à realidade?).
P.: Como é que, em épocas antigas, os povos passavam as notícias uns aos outros, de povoação em povoação.
R.: Das mais diversas formas. Mas o importante é que essas notícias eram sobretudo relativas a duas actividades: o comércio e a guerra. Podes imaginar que a domesticação dos animais foi crucial no desenvolvimento das comunicações por terra, que o desenvolvimento da navegação e dos instrumentos de orientação em alto-mar contribuíram decisivamente para melhorar a capacidade para percorrer longas distâncias com enorme precisão e que as trocas comerciais sempre foram um meio muito importante de partilha de conhecimentos e informações. Lembra--te que os romanos associaram perfeitamente a guerra ao comércio e ao incremento das comunicações, através de uma rede de estradas que permitiam atingir qualquer ponto do Império, mesmo distante (como a Península Ibérica), com relativa segurança e rapidez. Mas deixa-me desviar a tua atenção para um ponto que é crucial quando falamos de jornais e de imprensa. A invenção da imprensa, por Gutenberg, em meados do séc. XV (vê, p. ex.: http://www.imultimedia.pt/museuvirtpress/port/persona/gutenberg.html).
Lembras-te da primeira pergunta que me fizeste? Disse-te que a imprensa periódica nasce nos sécs. XVII e XVIII. Ora, isso não era possível sem a tecnologia de reprodução mecânica de muitos exemplares do mesmo texto.
P.: Se, com o jornal, se causassem problemas ambientais graves, que alternativa sugeria?
P.: Se, com o jornal, se causassem problemas ambientais graves, que alternativa sugeria?
R.: Já começamos a ter uma resposta com as versões electrónicas dos jornais e os livros electrónicos (os e-books). É uma forma de não consumir tanto papel, se bem que, por outro lado, o papel seja mais facilmente reciclável do que outros materiais e não se deva esquecer que a produção e armazenamento da energia eléctrica necessária ao funcionamento dos dispositivos electrónicos também causa problemas ambientais importante. Em qualquer caso, continuo a achar que não há nada, para quem quer aprender a ler e a escrever, como um jornal que se folheia, um livro, um caderno, lápis e canetas ou esferográficas.
P.: Última questão. Em que época (ano) se introduziram os jornais em todo o país?
R.: Não sei bem o que queres dizer com esta pergunta. Lembro-te o que já disse sobre o nascimento da imprensa. Em Portugal sempre houve menos leitores do que na generalidade dos países da Europa, por uma razão que não é nada simpática: a fraca escolarização dos portugueses. Actualmente, lê-se mais e frequenta-se mais a escola do que há alguns anos. Mas ainda é muito pouco.
Se, como diz o filósofo de que te falei, uma opinião pública crítica (e livre) se forma com a imprensa, a escola é um primeiro passo fundamental. Por isso, diria que uma boa escola traz consigo boas leituras.
Muito obrigada!
Não tens de quê.
Fixe!
ResponderEliminarLota, tens um óptimo blog com boas informaçãoes, espero que escrevas mais notícias e depressa.
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